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Jornal de Negócios por C-Studio

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Investimentos: pergunte a quem sabe

Investimentos: pergunte a quem sabe

Antes de iniciar a sua atividade como investidor, compensa informar-se sobre a melhor forma de o operacionalizar – tendo em conta o seu perfil – e conversar com quem já investe há mais tempo. Foi o que fizemos.

O que podemos aprender sobre investimentos com um business angel? Foi o que quisemos saber quando entrevistámos Isabel Neves, advogada, empresária, sócia da Star-Busy – Investimentos & Inovação Lda, Fundadora do Clube Business Angels de Lisboa e atual Membro da Comissão instaladora da Investors Portugal (APIES – Associação Portuguesa de Investidores em Early Stage). O lançamento desta nova organização, que nasceu da dissolução da FNABA e da APBA, foi feito no passado dia 6 de outubro. Em conversa, Isabel Neves ajuda a perceber o que devemos procurar, quando queremos investir com sucesso, quais as competências que devemos trabalhar enquanto investidores, e como devemos encarar o fracasso ou o sucesso dos nossos investimentos, entre muitas outras informações, valiosas para quem pensa começar a navegar neste mundo.

1. Como avalia o mercado investidor em Portugal: somos um país de poucos investidores?

O país é pequeno e a promoção do empreendedorismo foi para a agenda política há relativamente poucos anos, o que quer dizer que esta vontade em investir em startups é relativamente recente. Além disso, continua a haver aversão ao capital de risco. Apesar de, nos últimos 10 anos, ter crescido bastante, temos de diferenciar o investimento em capital de risco por Fundos de Investimento, cujo funcionamento é um pouco diferente dos business angel. Os Portugueses têm um perfil de investidor mais conservador e, portanto, não é um tipo de investimento muito comum. Tem crescido, sobretudo com esta abertura ao empreendedorismo e com eventos como a Web Summit, mas ainda somos muito poucos.

Curiosamente, per capita, somos, o país europeu que tem mais unicórnios: temos cinco, contra os dois de Espanha. Mas os unicórnios tiveram de ir para o mercado estrangeiro em busca de financiamento, pois ainda temos muito para crescer. De qualquer forma, o paradigma de investimento mudou: já não colocamos apenas o dinheiro no Banco. E também é preciso mudar a ideia de que investir apenas em imobiliário é o valor mais seguro. É preciso começar a colocar os ovos em cestos diferentes e, de uma forma bem feita, o investimento em inovação pode ser igualmente rentável, tem é de ser bem feito e, para isso, é preciso ter formação.

2. Os meios digitais, que permitem estar mais próximos dos serviços financeiros, nomeadamente de ferramentas de investimento, trazem mais vantagens ou desvantagens?

Trazem muitas vantagens porque, de facto, hoje temos acesso a muita informação na ponta do dedo. No mundo global e altamente dinâmico e concorrencial, é ótimo termos esta informação de forma facilitada. Contudo, sou daquelas pessoas que, embora considere uma vantagem, acho que é preciso equilíbrio. O digital não pode substituir totalmente a energia e o contacto humano. Neste mundo do investimento não pode ser descurado. Conhecer as pessoas e senti-las, é muito importante, sobretudo quando estamos a investir em pessoas, pois não investimos apenas em projetos. Ainda assim, as ferramentas digitais que temos são vantagens adicionais muito importantes para quem quer investir.

3. A pandemia trouxe novos investidores para o mercado?

Não sei se foi a pandemia que os trouxe, mas, de facto, assiste-se a um aumento do interesse. Assiste-se a uma curiosidade cada vez maior por este tipo de investimento. A pandemia fez com que as pessoas parassem um bocadinho e, quando paramos, temos tempo para pensar. Levou, por isso, por desenvolver aquilo que era uma tendência.

Muitas startups que já tinham apresentado soluções às quais não demos o devido valor e que, no seguimento da pandemia, chegou-se à conclusão de que faziam todo o sentido, saíram a ganhar. O comércio online disparou, assim como ganhou ainda maior importância tudo o que tem a ver com ferramentas digitais que facilitem a compra ou o serviço digital. Uma pandemia é uma crise e, nas crises, existem sempre oportunidades. Quem tinha projetos que podiam dar resposta a estas novas necessidades, ganhou.

4. E alterou a sua estratégia enquanto business angel?

Alterou. Quem estava vocacionado para negócios mais físicos ou ligados para o turismo, teve de ver as coisas de uma perspetiva completamente diferente, mas começámos a dar mais força a todos os novos projetos que contribuem para maior digitalização. Hoje o digital e a tecnologia são a nossa maior área de interesse, …. tudo o que tenha a ver com saúde, novas formas de comunicar, facilidade de operações financeiras, com o trabalho remoto, ganhou uma importância muito maior.

5. Estamos a atravessar uma nova fase – pós-pandemia – em que as empresas que surgem, os modelos de negócio e os perfis de investidor são diferentes?

Estamos em constante aprendizagem. Esta crise teve um impacto enorme na nossa maneira de viver, nos nossos hábitos de consumo e na nossa forma de estar. Mas, em termos económicos, não nos afetou tanto quanto a crise de há dez anos atrás, com desemprego e insolvências em massa. Independentemente da pandemia – porque vivemos de crise em crise – um investidor tem de estar sempre atento às tendências económicas, sociais e políticas. São essas que determinam alterações nos comportamentos dos padrões de consumo, no que as pessoas querem ou no que passam a desejar. Portanto, temos de estar muito atentos a tudo isso. Esta crise da pandemia veio sublinhar mais aquilo que tem de ser uma forma de estar do investidor, ou seja, eu, enquanto investidor, tenho de ter consciência destas alterações. Por exemplo, hoje, para os millenials, já não é tão importante ter um carro ou uma casa. São alterações brutais nos padrões de comportamento. A propriedade do carro não é necessária; experienciar coisas é mais importante. Assim como a alimentação mais sustentável ou vegetariana, que mais do que uma questão de moda, é uma profunda alteração de comportamento. As coisas, hoje em dia, estão muito rápidas. Tenho de perceber se determinado projeto continua a fazer sentido.

6. Que oportunidades de investimentos surgem agora e o que se perspetiva para o futuro? A sustentabilidade ambiental é um “tema quente”?

A sustentabilidade, ou tudo o que tenha a ver com as alterações climáticas e com o impacto social, são um “tema quente”. Hoje toda a gente está à espera que qualquer investimento dê uma resposta social, seja na empregabilidade, na inclusão social, no desenvolvimento de determinadas regiões do mundo. A questão do impacto social está muito presente na educação e nos jovens e surgem muitas oportunidades ligadas a isso. Eu diria que a questão da transição digital está mais do que na ordem do dia, a questão da substituição da energia fóssil por outro tipo de energias – um tema preocupante, pois temos de encontrar novas soluções viáveis. A área da saúde é outra área que vai estar muito em foco, porque esta pode ser a primeira de muitas pandemias. Tudo isto são temas que estão na ordem do dia e que fazem parte da agenda dos jovens e que vão ser preocupações para as próximas décadas.

A questão da alimentação, por exemplo: como é que vamos alimentar toda a gente? Há, de facto, algumas startups a trabalhar nesta área e a desenvolver proteínas alternativas. A indústria da moda também está a conhecer grandes alterações, sendo que a moda é uma das indústrias mais poluentes. Há toda uma alteração na forma de pensar. Está tudo numa fase de ebulição. Há muito por onde nos virarmos. Tem muito a ver com a área de interesse de cada investidor.

7. Como devemos encarar o fracasso (mesmo que temporário) dos nossos investimentos? E como devemos encarar o sucesso?

Essa é uma pergunta complicada. Estamos a falar de capital de risco informal – os business angel são capital de risco – e temos de ter noção de que mais de 90% das startups que começam, falham. Enquanto investidor, tenho de pensar que o dinheiro que vou afetar a este tipo de investimento, não me pode fazer falta para mais nada. Se quero seguir por este caminho, tenho de ter consciência de que não vou poder tocar nesse valor, num horizonte de 5 a 10 anos, por exemplo. Posso perder tudo, ou conseguir tirar uma rentabilidade que não teria em mais nenhum produto de investimento.

Por isso, como é que lidamos com o sucesso e o insucesso? Eu acho que a natureza deste tipo de investimento faz com que, à partida, as pessoas tenham disso uma noção muito própria do risco associado e é por isso que este tipo de investimento não interessa a toda a gente.

8. Devemos, então, retirar as palavras “fracasso e sucesso” desta equação?

Costumamos dizer que o sucesso é a soma de muitos fracassos. Porque podemos errar várias vezes para chegar onde desejávamos, é todo um percurso de tentativa e erro. Não há produto tecnológico nenhum que hoje faça parte do nosso dia a dia que não tenha resultado de tentativa e erro e tenha passado por fracassos até atingir o modelo ideal. Tem de haver gente disposta a ir arriscando, mas, quando chega ao momento crucial, o resultado pode ser tão bom que compensa tudo isto. Quem quer entrar neste tipo de investimento, tem de ter esse mindset. O importante é não ter os ovos todos no mesmo cesto: se tenho 20 mil, por exemplo, devo dividi-lo em, pelo menos, em dois ou três projetos diferentes. O mais certo é perder um dos dois mas, num deles, vou conseguir ter a rentabilidade que supera os outros todos. Daí que a formação seja muito importante. Há muita coisa que podemos aprender para ter menos risco.

9. O que torna um negócio mais atrativo para ser alvo de investimento?

Falando de um ponto de vista de startups e de business angels, o que torna mais atrativo é a inovação e o responderem a uma necessidade do mercado ou criarem uma necessidade no mercado. É o que mais interessa como alvo de investimento. Em tempos de pandemia, todos os projetos que deem resposta a melhores ferramentas de comunicação são excelentes exemplos destas oportunidades. Já conhecíamos ferramentas de comunicação como o zoom ou outras semelhantes, mas nunca pensámos que, sobretudo nesta altura, a nossa vida ia depender muito destes meios. Tudo o que vier dar mais força, segurança e qualidade a este tipo de comunicações é bem-vindo. Outro tema onde temos de nos focar cada vez mais é na cibersegurança.

10. O que podemos aprender com um business angel sobre investimento?

É preciso primeiro falarmos da diferença entre um business angel e alguém que quer investir através de um Fundo de Investimento. Quando invisto através de um Fundo de Investimento, posso por lá os 20 mil euros e arriscar todo de uma vez. Mas não tenho acesso direto aos projetos, pois vai haver alguém, uma equipa, que vai selecionar e acompanhar os projetos, a sua evolução e limito-me a receber a rentabilidade meu investimento. Ou seja, sou um mero espetador à espera de receber o retorno do valor que entreguei.

Atuar como business angel é completamente diferente: investimos diretamente nos projetos. Somos nós, pessoalmente, que selecionamos e acompanhamos os projetos em que vamos investir, fazemos mentoria, acionamos as nossas redes de contactos se necessário, podemos intervir diretamente na empresa. Não temos de fazer parte do corpo executivo, nem na gestão do dia a dia, mas fazemos acompanhamento, mensal ou quinzenal. Ou seja colocamos todo o nosso know-how, tempo e redes de contactos ao serviço desses projetos.

Portanto, é diferente colocar o nosso dinheiro num fundo ou investir diretamente em projetos que se acompanham. No primeiro, o retorno de capital pode ser maior, mas, no segundo, o retorno pessoal é maior.

De qualquer forma, os Business Angels investem cada vez em grupo, ou através de sociedades a que chamamos de “entidades veículo”. É uma maneira de, por um lado, mitigarmos o risco, pois temos uma maior capacidade de análise e de intervenção naquela empresa; de dividir o valor a ser investido, e ainda, de ter maior capacidade de atuação, porque cada um de nós tem o seu know-how e a sua rede de contacto.  As “entidades veículo” são sociedades criadas por vários investidores que têm um valor para investir, e que se juntam numa sociedade que, com o valor total, vai investir nos projetos que analisa e seleciona. É uma forma de conseguirmos mais capital e mitigar o risco.

11. Todos podemos ser um business angel? Além da capacidade financeira, que perfil é o mais indicado para esta atividade?

Quando lancei o clube de Business Angels de Lisboa comecei a perceber que começava a aparecer muita gente interessada neste tipo de investimento, sobretudo altos cargos que se reformaram cedo, …a sentirem-se ainda muito úteis e com muita capacidade de trabalho. É uma forma de investir mantendo atividade e envolvimento com empresas, esperando algum retorno. Isto é muito aliciante para este grupo de pessoas e que, efetivamente, procura cada vez mais este tipo de investimentos. Por outro lado, há, neste momento, em Portugal, muitos cidadãos estrangeiros, com capital e vontade de se estabelecer no nosso país e que podem conseguir obter o Golden Visa, não só apenas através da compra de imóveis, mas também através de investimento em fundos de investimento ou fundos de capitais de risco. Por isso, há muito dinheiro a circular por aí. É estar atento.


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